O buddhismo tântrico ou Vajrayāna é a tradição buddhista predominante no Tibet, Nepal, Butão, Mongólia e norte da Índia. Suas práticas enfatizam o uso de visualização, recitação e meditação.O buddhismo tibetano possuiu quatro escolas — Nyingma, Kagyü, Sakya e Gelug. O Vajrayāna também foi influente na China e no Japão através de duas escolas, a Mi-tsung/Shingon e a T'ien-t'ai/Tendai.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Deus no Budismo

Abordaremos, a seguir, um dos temas mais abstratos do Budismo: o conceito de Deus. Seria o Budismo ateu ou, quem sabe, agnóstico? Tentaremos ser claros, simples e sucintos, pois a questão envolve uma filosofia à primeira vista complexa e profunda e, por isso mesmo, tão mal compreendida entre os não iniciados.

Acusa-se, freqüentemente, o Budismo de desconhecer a existência de Deus, ou de, no mínimo, não encarar de frente um assunto tão transcendental. Afinal, todas as religiões têm seu Deus: Allah no Islamismo, o Deus do Cristianismo, Jeová no Judaísmo, Brahma no Brahmanismo e assim por diante. E o Budismo, como considera a realidade de um Ser Supremo que regeria a vida, o destino e daria sentido ao Universo? Ou simplesmente se omitiria, conforme crença tão difundida?

Para responder essas perguntas, precisamos ter uma noção do que seja a Vacuidade (Sunyata), um dos pilares básicos do Budismo em todas suas manifestações. Um dos mais famosos Sutras (compêndios com os sermões de Buddha), o Mahaprajnaparamita-Hridaya, diz que a Vacuidade, ou o Vazio, é o fundamento que dá base à existência de todas as coisas, em sua assertiva tão conhecida: "A Forma é o Vazio, o Vazio é a Forma". O Vazio parece servir de fundamento à natureza não-substancial de todos os fenômenos. Mas o que vem a ser o Vazio? É a constatação de que todas as coisas compostas são vazias e impermanentes, impessoais e dolorosas. Isto vale, também, para nós, seres humanos. A Vacuidade, no ramo Hinayana, aplica-se apenas à "pessoa". No Mahayana, que inclui o Zen-Budismo, estende-se a tudo o que existe no mundo fenomênico. Este é sempre fugaz, como o é o Universo como um todo. Nada do que existe tem uma natureza perene e estável. Do Vazio origina-se e brota, a cada instante, todo o mundo à nossa volta, como as partículas virtuais e as anti-partículas também brotam a cada momento, para, logo a seguir, desaparecerem no vácuo do espaço cósmico. A Iluminação (Bodhi ou Satori), a suprema experiência budista, acontece quando tomamos conhecimento íntimo e súbito, em um insight, dessa noção de vazio, não-perenidade e, simultaneamente, de unicidade. Nela, o homem acorda para a Vacuidade de si mesmo e do Cosmos, vivendo o inacessível, o além do ser e do não-ser, onde o Absoluto e o Relativo não são senão um só fenômeno, intimamente coerente e uno. O temporal e o efêmero são características intrínsecas ao Universo, sob o contraponto necessário do Supremo, que, dialeticamente, lhes dá sentido e coerência. A noção completa de Vacuidade foi herdada pelo Zen-Budismo, em parte, a partir do Taoísmo e seu princípio do Nada (Wu).

Um conceito budista similar ao conceito de Deus existe e é bem expresso, por exemplo, pela idéia de Bhutatathata (a qüididade do ser, "suchness", em inglês). Bhutatathata é tão somente um princípio que remete a algo abstrato, inominável, impessoal, indizível e inefável, magistralmente traduzido pela idéia-chave da Vacuidade. Trata-se da Realidade Última, manifesta no mundo fenomênico, com suas aparências e formas que nascem, transmutam-se e desaparecem. Bhutathata é impessoal, imutável e eterno. É um conceito muito forte e real (aliás, a realidade final de tudo), não propriamente uma personificação expressa. É o Absoluto ou a Realidade Suprema (Tathata). No grande ramo budista Mahayana, equivaleria, aproximadamente, à mais avançada idéia cristã de Deus. Na Escola Madhyamika, o Vazio é idêntico ao Absoluto, o Princípio Último. Realizar o Vazio é atingir a libertação purificadora, a Iluminação. O Maha-Sunyata Sutra é um sermão de Buddha a respeito da Vacuidade.

Em suma, o mundo dos fenômenos e das aparências, o "nosso mundo", confunde-se intimamente com a idéia filosoficamente necessária do Absoluto, como se fossem as duas faces de uma mesma moeda. O Budismo nunca usou expressamente uma denominação para Deus. Mas o conceito de um Supremo existe. O célebre filósofo budista Nagarjuna, em "As Oito Negações", afirmou: "nem destruição nem criação; nem aniquilamento nem eternidade; nem unidade nem multiplicidade; nem chegada nem partida". A síntese entre a Vacuidade e o mundo fenomênico é, pois, o verdadeiro Caminho. Bhutatathata é o Princípio imutável e eterno.

O Budismo não é uma doutrina nihilista ou, como se julga, panteísta O Absoluto não está em tudo. Ele é tudo, manifestado através da multiplicidade das aparências enganosas, efêmeras e passageiras. O Buddha Shakyamuni disse certa vez: "Sois Buddha e não sabeis". Com isso quis significar que a Iluminação é acessível a todos. E mais: que temos, dentro de nós, uma grandeza que desconhecemos e raramente utilizamos. Buddha pouco se referiu à idéia de um Deus, expressamente falando, talvez por julgá-la excessivamente transcendental para nós, embora, de certa maneira, tão próxima. Mas deixou as pistas, mesmo porque a noção do divino é arquetipicamente intrínseca a todos nós humanos e, principalmente, porque mais vale a compreensão pela própria prática e experiência do que mil palavras, por mais sábias que sejam.

De maneira diferente da maioria das religiões (sem julgamento de mérito), o Budismo não cria um Deus a priori. Ele trabalha filosoficamente a nossa realidade e a une indissoluvelmente à Realidade Última dos Fenômenos e conclui que sem esta não haveria explicação e fundamento para a primeira. Na realidade, o Supremo manifesta-se pelo mundo dos fenômenos, por mais efêmeros, mutáveis, sem substância e vazios que sejam ou que aparentem ser.



*André Medeiros é Astrônomo e estudioso de Budismo desde 1990, na Escola Sotô de Zen-Budismo






Deus no Budismo
Janeiro 17, 2009 in Budismo, Budismo Tibetano

O Buda, muito longe de negar que havia um Absoluto, garantiu que aqueles que alcançassem a iluminação deveriam se fundir com Isso e assim perceber a Realidade em oposição ao mundo das ilusões e dos fenômenos. O que ele realmente disse, contudo, que tem levado pessoas a acusarem-no de ateísmo, é que não temos nenhum meio de expressar qualquer coisa sobre Isso. Palavras pertencem ao universo dos fenômenos e são aplicáveis apenas à ele. Quando alguém vai além dos fenômenos, em direção à Realidade, palavras precisam obrigatoriamente ser deixadas para trás. Nenhum ensinamento, nenhuma descrição, nenhum pensamento podem expressar o Absoluto — mas podemos experimentá-lo, se suficientemente evoluídos.

O que Buda combateu foram as numerosas tentativas que foram feitas, estão sendo feitas e continuarão a ser feitas, de dizer que o Absoluto é isso ou aquilo, um Deus pessoal, um Criador, um Deus-Pai. Ele insistentemente recusou responder qualquer pergunta sobre o assunto porque isso era inexprimível em palavras. Ele não iria permitir a seus discípulos imaginar um Absoluto a semelhança deles, como é a tendência do homem em todo lugar. Ele assinalou sutilmente que é melhor se ajustar para tentar alcançar a iluminação e, assim, experimentar o Absoluto por si próprio, em vez de perder tempo tentando ineficazmente falar sobre isso, já que nada que possa ser dito sobre Isso pode ser verdade em absoluto. Palavras iriam inevitavelmente modificá-Lo e moldá-Lo, resultando no máximo em uma aproximação grosseira. Palavras podem ser verdadeiras apenas em certo nível, mas apenas nesse nível, portanto serão apenas verdades relativas. Assim, como um entendimento que só funciona por meio de palavras pode conter o que não pode ser colocado em palavras? Apenas pela experiência direta.

Se esse fato tivesse sido assimilado, às custas do orgulho humano, teria havido muito menos intolerância, violência e sofrimento cometidos em nome da religião, entre os vários adeptos de seus seus próprios credos; todos afirmando de maneira confiante e dogmática que somente eles receberam a Verdade e que todos os outros estão errados e devem ser salvos de sua ignorância voluntária.



Então, se não há nenhum Deus no sentido de um Deus pessoal — ou se for compreendido que conceitos de um Deus pessoal, um Criador ou um Deus-Pai, são apenas relativamente verdadeiros e adequados apenas a alguns estágios do desenvolvimento humano — porque há tantas referências aos “deuses” [no budismo tibetano], sugerindo toda uma hierarquia?

A palavra páli “deva” é traduzida como “deus”, mas na verdade significa “espírito”, um ser de um reino superior que, no budismo, pode influenciar seres humanos, ajudar e protegê-los. A Terra não é o único mundo de seres da cosmologia budista. Há incontáveis universos em diferentes planos de existência, isto é, em diferentes estágios de desenvolvimento (espiritual). Alguns são mais elevados que nós (que somos a maioria). Alguns são inferiores. Há muitas referências a seres humanos renascendo em reinos superiores ou inferiores.

Mas, no budismo, não há lugar para a hierarquia massiva da religião Hindu, que acrescentou o próprio Buda a essa hierarquia (até os cristãos fizeram Dele um dos seus santos), nem para a Trindade de Criador, Preservador e Destruidor, nada exceto um Absoluto inexprimível. Em Sua direção as pessoas estão evoluindo ou involuindo, alguns se tornando espíritos de planos superiores, outros afundando em mundos inferiores. E todos pertencem ao mundo dos fenômenos, não à Realidade. Apenas o Absoluto é Real. E nem podemos realmente dizer isso sem declarar algo menor que a Verdade. Mas Ela está lá para ser realizada por alguém com o desejo e determinação como os de Milarepa.



Todo ser humano, todo ser, é um Buda em potencial. Depende de cada um realizar sua própria Natureza Búdica.

Lobzang Jivaka em “The Life of Milarepa”. Fonte: Samsara

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