terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Shangri-la ou Shambhala
Shangri-la, da criação literária de 1925 do inglês James Hilton, Lost Horizon (Horizonte Perdido), é descrito como um lugar paradisíaco situado nas montanhas do Himalaia, sede de panoramas maravilhosos e onde o tempo parece deter-se em ambiente de felicidade e saúde, com a convivência harmoniosa entre pessoas das mais diversas procedências. Shangri-la será sentido pelos visitantes ou como a promessa de um mundo novo possível, no qual alguns escolhem morar, ou como um lugar assustador e opressivo, do qual outros resolvem fugir. O romance inspira duas versões cinematográficas nas décadas seguintes.
No mundo ocidental, Shangri-la é entendido como um paraíso terrestre oculto.
A comunidade de Shangri-la é inspirada em Shambhala, o reino mítico de papel cosmogônico e escatológico, citado em textos védicos muito antigos, como os Purana, e referido na tradição oral e literária do Budismo tibetano como um centro irradiador de bem-aventurança e a residência de sábios iluminados e de Kuan Yin, a divindade da misericórdia do budismo chinês.
Shambhala, do sânscrito, e em tibetano Bde 'byung, pron. De-jung, "mantido pela Fonte da Felicidade", estaria fisica ou etericamente situado na cordilheira do Himalaia ou na Ásia central, próximo da Sibéria, China,Tibete e Khotan, provavelmente no deserto de Gobi. Rodeado de montanhas de picos nevados, teria a forma circular de uma grande flor de lótus, símbolo da realização espiritual
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Shangri-la
Guerras Santas no Budismo e Islamismo: O Mito de Shambhala
Guerras Santas no Budismo e Islamismo: O Mito de Shambhala
Alexander Berzin
Sumário
Frequentemente, quando as pessoas pensam no conceito muçulmano da jihad ou guerra santa, assocíam-no à conotação negativa de uma campanha moralista de destruição vingativa em nome de Deus para outros converter através da força. Podem admitir que o cristianismo teve um equivalente com as cruzadas, mas geralmente não vêem o budismo como tendo qualquer coisa semelhante. De fato, dizem que o budismo é uma religião de paz e não tem a expressão técnica de guerra santa.
Contudo, um exame cuidado dos textos budistas, particularmente da literatura do Tantra de Kalachakra, revela níveis externos e internos de batalhas que poderiam facilmente ser denominados de “guerras santas”. Um estudo imparcial do islamismo revela o mesmo. Em ambas as religiões, os líderes podem explorar as dimensões externas da guerra santa para vantagens políticas, econômicas ou pessoais, usando-as para inflamar as suas tropas para a batalha. Os exemplos históricos a respeito do islamismo são bem conhecidos; mas não devemos ser ingénuos sobre o budismo e pensar que esteve imune a este fenômeno. Não obstante, em ambas as religiões, a ênfase principal está na batalha espiritual interna contra a nossa própria ignorância e atitudes destrutivas.
Análise
Imageria Militar no Budismo
O Buda Shakyamuni nasceu numa guerreira casta indiana e frequentemente usou imageria militar para descrever a viagem espiritual. Ele era O Triunfante que derrotou as forças demoníacas (mara) do não-apercebimento, das visões distorcidas, das emoções perturbadoras e do comportamento cármico impulsivo. Shantideva, o mestre budista indiano do século VIII d.C. usou repetidamente a metáfora da guerra em Engajando-se no Comportamento de um Bodhissatva (Guia do Estilo de Vida do Bodissatva): os verdadeiros inimigos a derrotar são as emoções e as atitudes perturbadoras que se encontram escondidas na mente. Os tibetanos traduzem o termo sânscrito arhat, um ser liberado, como o destruidor do inimigo, alguém que destruiu os inimigos internos. Destes exemplos, pareceria que no budismo a chamada para uma “guerra santa” seria simplesmente uma questão espiritual interna. O Tantra de Kalachakra, contudo, revela uma dimensão externa adicional.
A lenda de Shambhala
De acordo com a tradição, em 880 a.C., em Andhra, no sul da India, Buda ensinou o Tantra de Kalachakra a Suchandra, o visitante Rei de Shambhala e ao seu séquito. O Rei Suchandra levou os ensinamentos para o seu reino nórdico, onde floresceram a partir dessa altura. Em 176 a.C., sete gerações de reis após Suchandra, o Rei Manjushri Yashas reuniu os líderes religiosos de Shambhala, especificamente os sábios brâmanes, a fim de fazer uma profecia e de lhes prevenir: daqui a oitocentos anos, em 624 d.C., uma religião não índica surgirá em Meca. Devido a uma falta de unidade entre os povos dos brâmanes e à negligência do correto seguimento dos preceitos das suas escrituras védicas, muitos irão aceitar essa religião, no futuro distante, quando os seus líderes ameaçarem uma invasão. Para evitar esse perigo, Manjushri Yashas uniu o povo de Shambhala em uma única “casta-vajra” conferindo-lhe o empoderamento de Kalachakra. Pelo seu ato, o rei tornou-se o Primeiro Kalki - o Primeiro Possessor da Casta. Ele compôs então O Tantra de Kalachakra Abreviado, que é a versão presentemente existente do Tantra de Kalachakra.
Os Invasores Não-Índicos
Como a fundação do islamismo data de 622 d.C., dois anos antes da data predita em Kalachakra, a maioria dos eruditos identifica a religião não-índica com essa fé. As descrições dessa religião em outras partes dos textos de Kalachakra, como o abate de gado ao recitar o nome do seu deus, a circuncisão, mulheres veladas e preces [feitas com a orientação do crente] em direção à sua terra santa, cinco vezes por dia, reforçam a sua conclusão.
Aqui, o termo sânscrito para não-índico é mleccha (Tib. lalo), significando alguém que fala numa língua não-sânscrita incompreensível. Tanto os hindus como os budistas aplicaram esse termo a todos os estrangeiros que invadiram o norte da India, começando com os macedónios e os gregos na época de Alexandre, o Grande. O outro termo sânscrito principal usado é tayi, que deriva do termo persa para os árabes, usado, por exemplo, em referência aos árabes que invadiram o Irã em meados do século VII d.C..
A análise adicional da imagem que Kalachakra pinta dos invasores não-índicos indica que as descrições foram muito provavelmente baseadas nos ismaelitas de Multan, no final do século X d.C., combinado com alguns aspectos dos muçulmanos maniqueístas do fim do século VIII. Os ismaelitas de Multan, enquanto vassalos dos ismaelitas Fatimidas no Egito, estavam a desafiar os sunitas Abássidas em Bagdá e os seus aliados sunitas Ghaznavid, no Afeganistão Oriental, para supremacia no mundo islâmico.
A Profecia de uma Guerra Apocalíptica
O Primeiro Kalki predisse também que os seguidores da religião não-índica virão algum dia governar a India. Da sua capital em Deli, o seu rei irá tentar conquistar Shambhala em 2424 d.C.. O vigésimo quinto Kalki, Raudrachakrin, irá então invadir a India e derrotar os não-índicos numa grande guerra. A sua vitória irá marcar o fim do kaliyuga - “a idade das disputas”, durante a qual a prática do Dharma irá degenerar. Depois, uma nova era dourada seguirá, durante a qual os ensinamentos irão florescer, especialmente os de Kalachakra.
O Significado Simbólico da Guerra
Em O Tantra de Kalachakra Abreviado, Manjushri Yashas explica que a luta com o povo não-índico de Meca não é uma guerra real, visto que a batalha real é dentro do corpo. Kaydrubjey, o comentador Gelug do século XV d.C., pormenoriza que as palavras de Manjushri Yashas não sugerem uma campanha real para matar os seguidores da religião não-índica. A intenção do Primeiro Kalki ao descrever os detalhes da guerra era dar uma metáfora para a batalha interna da profunda bem-aventurada consciência da vacuidade contra o não-apercebimento e o comportamento destrutivo.
Manjushri Yashas enumera claramente o simbolismo oculto. Raudrachakrin representa a “mente-vajra”, ou seja, a mente mais sutil de luz clara. Shambhala representa o estado de grande bem-aventurança no qual a mente-vajra habita. Ser-se um Kalki significa que a mente-vajra tem o nível perfeito de apercebimento profundo, nomeadamente, o surgimento simultâneo da vacuidade e da bem-aventurança. Os dois generais de Raudrachakrin, Rudra e Hanuman, representam os dois tipos de suporte do apercebimento profundo, o dos pratyekabuddhas e dos shravakas. Os doze deuses hindus que ajudam a ganhar a guerra representam a cessação dos doze elos do surgimento dependente e dos doze movimentos diários das respirações cármicas. As ligações e os movimentos descrevem o mecanismo que perpetua o samsara. As quatro divisões do exército de Raudrachakrin representam os níveis mais puros das quatro atitudes imensuráveis do amor, da compaixão, da alegria e da equalidade. As forças não-índicas, que Raudrachakrin e as divisões do seu exército derrotam, representam as mentes de forças cármicas negativas, apoiadas pelo ódio, pela malícia, pelo ressentimento e pelo preconceito. A vitória sobre elas é a realização do caminho para a liberação e a iluminação.
O Método Didático Budista
Apesar das negações textuais da chamada para uma efetiva guerra santa, a implicação aqui que o islã é uma religião cruel, caracterizada pelo ódio, pela malícia e pelo comportamento destrutivo, pode facilmente ser usada como evidência para suportar que o budismo é anti-muçulmano. Embora alguns budistas do passado possam de fato ter tido este preconceito e alguns budistas de hoje possam, do mesmo modo, manter perspectivas sectárias, podemos extrair uma conclusão diferente se também refletirmos num dos métodos didáticos do budismo Mahayana.
Por exemplo, os textos Mahayana apresentam certas perspectivas como sendo características do budismo Hinayana, tal como egoisticamente trabalhar apenas para a nossa liberação sem consideração na ajudar a outros. Afinal, o objetivo explícito dos praticantes Hinayana é a auto-liberação e não a iluminação, que tem por objetico beneficiar todos. Embora tal descrição Hinayana tenha conduzido a preconceitos, um estudo objetivo erudito das escolas Hinayana, tais como Theravada, revela um papel proeminente da meditação no amor e na compaixão. Poderíamos concluir que Mahayana era simplesmente ignorante dos verdadeiros ensinamentos Hinayana. Alternativamente, poderíamos reconhecer que Mahayana está aqui a usar o método da lógica budista de levar argumentos às suas conclusões absurdas a fim de ajudar as pessoas a evitarem posições extremistas. A intenção deste método prasangika é aconselhar os praticantes a evitarem o extremo do egoísmo.
A mesma análise aplica-se às apresentações Mahayana das seis escolas medievais de filosofia jain e hindu. Aplica-se também a como cada uma das tradições de budismo tibetano apresenta as perspectivas das outras e as de Bon, a tradição tibetana nativa.Nenhuma destas apresentações dá uma imagem exata. Cada uma exagera e distorce certas características das outras para ilustrar vários pontos.
Correlação entre a Profecia e a História
O mesmo é verdade relativamente às afirmações de Kalachakra sobre a crueldade do islamismo e sua possível ameaça. No final do século X e no início do século XI d.C., quando os ensinamentos de Kalachakra apareceram primeiro na India, os exércitos islâmicos invadiram de fato vários reinos budistas. Muitos budistas e hindus converteram-se então voluntariamente ao islamismo para evitarem pagar o imposto requerido se mantivessem as suas religiões. Havia uma base para o exagero. Embora professores budistas possam afirmar que o uso do islamismo e deste método prasangika para ilustrar o perigo spiritual é um meio hábil, poderíamos também argumentar que é brutalmente carente de diplomacia, especialmente nos tempos modernos.
Kaydrubjey explicou adicionalmente que a predita guerra entre Shambhala e as forças não-índicas não é uma mera metáfora sem referência a uma futura realidade histórica. Se esse fosse o caso, então quando o Tantra de Kalachakra aplica analogias internas para os planetas e as constelações, chegaríamos à conclusão absurda de que os corpos celestiais existem somente como metáforas e que não têm nenhuma referência externa. Todavia, Kaydrubjey também acautela contra a interpretação literal da profecia adicional de Kalachakra segundo a qual a religião não-índica irá no futuro espalhar-se por todos os doze continentes e os ensinamentos de Raudrachakrin também a irão lá superar. A profecia não diz especificamente respeito ao já descrito povo não-índico, às suas crenças ou práticas religiosas. Aqui, o nome mleccha refere-se meramente às forças e crenças não-dhármicas que contradizem os ensinamentos do Buda.
Assim, a profecia prediz que as forças destrutivas hostís à prática espiritual - e não especificamente um exército muçulmano – irão atacar no futuro, e uma “guerra santa” externa contra elas será necessária. A mensagem implícita é que, se os métodos pacíficos falharem e tivermos de combater numa guerra santa, a batalha deve basear-se sempre nos princípios budistas de compaixão e do profundo apercebimento da realidade. Isto é verdadeiro apesar de que na prática é extremamente difícil seguir-se esta recomendação treinando-se soldados que não são bodhisattvas. Contudo, se a guerra for motivada pelos princípios não-índicos do ódio, da malícia, do ressentimento e do preconceito, as gerações futuras não verão nenhuma diferença entre as atitudes dos seus antepassados e as das forças não-índicas. Por conseguinte, adotarão facilmente atitudes não-índicas.
O Conceito Islâmico da Jihad
O conceito islâmico da jihad é uma das atitudes do invasor? Se assim for, Kalachakra está pintando uma imagem exata da jihad, ou usando a invasão não-índica de Shambhala apenas para representar um extremo a evitar? A investigação destas questões é importante para prevenir mal entendidos inter-fé.
A palavra árabe jihad significa uma luta na qual precisamos tolerar sofrimentos e dificuldades, tais como a fome e a sede durante o Ramadã, o mês santo do jejum. Aqueles que se engajam nesta luta são mujahedin. Faz-nos lembrar os ensinamentos budistas aos bodhisattvas, sobre a paciência, para tolerarem as dificuldades que surgem durante o caminho à iluminação.
A divisão sunita do islão indica cinco tipos de jihad:
Uma jihad militar é uma campanha defensiva contra agressores que tentam prejudicar o islão. Não é um ataque ofensivo para converter outros pela força ao islão.
Uma jihad por recursos envolve o apoio financeiro e material aos pobres e aos que precisam de ajuda.
Uma jihad pelo trabalho é o sustento honesto a nós próprios e à nossa família.
Uma jihad pelo estudo é a obtenção do conhecimento.
Uma jihad contra nós próprios é a batalha interna para superar os desejos e os pensamentos contrários aos ensinamentos muçulmanos.
As divisões xiitas do islão enfatizam o primeiro tipo de jihad, pondo em termos de igualdade um ataque a um estado islâmico com um ataque à fé islâmica. Muitos xiitas também aceitam o quinto tipo, a jihad espiritual interna.
As Similaridades entre o Budismo e o Islamismo
A apresentação Kalachakra da guerra mítica de Shambhala e a discussão islâmica da jihad mostram notáveis similaridades. As guerras santas budistas e islâmicas são táticas defensivas para travar ataques por forças hostis externas; nunca campanhas ofensivas para ganhar convertidos. Ambas têm níveis de significados espirituais internos, em que a batalha é contra os pensamentos negativos e as emoções destrutivas. Ambas necessitam de ser empreendidas com base em princípios éticos, e não com base em ódios e preconceitos. Assim, ao apresentar a invasão não-índica de Shambhala como totalmente negativa, a literatura de Kalachakra está de fato deturpando o conceito da jihad à moda prasangika, levando-o ao seu extremo lógico para salientar uma posição a evitar.
Além disso, assim como muitos líderes distorceram e exploraram o conceito de jihad para seu proveito e poder, o mesmo ocorreu com Shambhala e a sua discussão da guerra contra forças estrangeiras destrutivas. Agvan Dorjiev, o mongol russo de Buriate dos finais do século XIX d.C. e tutor assistente do XIII Dalai Lama, proclamou que a Rússia era Shambhala e que o czar era um Kalki. Desta forma, tentou convencer o XIII Dalai Lama a alinhar com a Rússia contra a “mleccha” britânica, na batalha para o controlo da Ásia central.
Tradicionalmente, os mongóis identificaram o rei Suchandra de Shambhala e Gengis Khan como encarnações de Vajrapani. Lutar por Shambhala era então lutar pela glória de Gengis Khan e pela Mongólia. Assim, Sukhe Batur - líder da Revolução Comunista Mongol de 1921, contra o regime extremamente brutal do barão russo branco von Ungern-Sternberg, apoiado pelos japoneses - inspirou as suas tropas com a narrativa Kalachakra da guerra para terminar o kaliyuga. Prometeu-lhes renascimento como guerreiros do rei de Shambhala, apesar de não haver nenhum fundamento textual para a sua asserção na literatura de Kalachakra. Durante a ocupação japonesa da Mongólia, na década de 1930, as autoridades japonesas, por sua vez, tentaram obter uma aliança com os mongóis e apoio militar através de uma campanha de propaganda afirmando que o Japão era Shambhala.
[Ver: Exploração do Mito de Shambhala para o Controlo da Mongólia.]
Conclusão
Assim como os críticos do budismo poderiam concentrar-se nos abusos do nível externo da batalha espiritual de Kalachakra e rejeitar o nível interno, e isto seria injusto ao budismo como um todo, o mesmo é verdade relativamente aos críticos anti-muçulmanos da jihad. Aqui, o conselho dos tantras budistas a respeito do professor espiritual pode ser útil. Quase todos os professores espirituais têm uma mistura de boas qualidades e defeitos. Embora um discípulo não deva negar as qualidades negativas do professor, insistir nelas apenas irá causar raiva e depressão. Se, em vez disso, o discípulo focalizar nas qualidades positivas do professor, irá ganhar inspiração para seguir o caminho espiritual.
O mesmo pode ser dito sobre os ensinamentos budistas e islâmicos a respeito das guerras santas. Ambas as religiões assistiram a abusos das suas chamadas para uma batalha externa, quando forças destrutivas ameaçavam a prática religiosa. Sem negar nem insistir nesses abusos, podemos obter inspiração focalizando nos benefícios do empreendimento de uma guerra santa interna em qualquer dos credos.
Fonte
http://www.berzinarchives.com/web/pt/archives/advanced/kalachakra/relation_islam_hinduism/holy_wars_buddhism_islam/holy_war_buddhism_islam_shambhala_short.html
Alexander Berzin
Sumário
Frequentemente, quando as pessoas pensam no conceito muçulmano da jihad ou guerra santa, assocíam-no à conotação negativa de uma campanha moralista de destruição vingativa em nome de Deus para outros converter através da força. Podem admitir que o cristianismo teve um equivalente com as cruzadas, mas geralmente não vêem o budismo como tendo qualquer coisa semelhante. De fato, dizem que o budismo é uma religião de paz e não tem a expressão técnica de guerra santa.
Contudo, um exame cuidado dos textos budistas, particularmente da literatura do Tantra de Kalachakra, revela níveis externos e internos de batalhas que poderiam facilmente ser denominados de “guerras santas”. Um estudo imparcial do islamismo revela o mesmo. Em ambas as religiões, os líderes podem explorar as dimensões externas da guerra santa para vantagens políticas, econômicas ou pessoais, usando-as para inflamar as suas tropas para a batalha. Os exemplos históricos a respeito do islamismo são bem conhecidos; mas não devemos ser ingénuos sobre o budismo e pensar que esteve imune a este fenômeno. Não obstante, em ambas as religiões, a ênfase principal está na batalha espiritual interna contra a nossa própria ignorância e atitudes destrutivas.
Análise
Imageria Militar no Budismo
O Buda Shakyamuni nasceu numa guerreira casta indiana e frequentemente usou imageria militar para descrever a viagem espiritual. Ele era O Triunfante que derrotou as forças demoníacas (mara) do não-apercebimento, das visões distorcidas, das emoções perturbadoras e do comportamento cármico impulsivo. Shantideva, o mestre budista indiano do século VIII d.C. usou repetidamente a metáfora da guerra em Engajando-se no Comportamento de um Bodhissatva (Guia do Estilo de Vida do Bodissatva): os verdadeiros inimigos a derrotar são as emoções e as atitudes perturbadoras que se encontram escondidas na mente. Os tibetanos traduzem o termo sânscrito arhat, um ser liberado, como o destruidor do inimigo, alguém que destruiu os inimigos internos. Destes exemplos, pareceria que no budismo a chamada para uma “guerra santa” seria simplesmente uma questão espiritual interna. O Tantra de Kalachakra, contudo, revela uma dimensão externa adicional.
A lenda de Shambhala
De acordo com a tradição, em 880 a.C., em Andhra, no sul da India, Buda ensinou o Tantra de Kalachakra a Suchandra, o visitante Rei de Shambhala e ao seu séquito. O Rei Suchandra levou os ensinamentos para o seu reino nórdico, onde floresceram a partir dessa altura. Em 176 a.C., sete gerações de reis após Suchandra, o Rei Manjushri Yashas reuniu os líderes religiosos de Shambhala, especificamente os sábios brâmanes, a fim de fazer uma profecia e de lhes prevenir: daqui a oitocentos anos, em 624 d.C., uma religião não índica surgirá em Meca. Devido a uma falta de unidade entre os povos dos brâmanes e à negligência do correto seguimento dos preceitos das suas escrituras védicas, muitos irão aceitar essa religião, no futuro distante, quando os seus líderes ameaçarem uma invasão. Para evitar esse perigo, Manjushri Yashas uniu o povo de Shambhala em uma única “casta-vajra” conferindo-lhe o empoderamento de Kalachakra. Pelo seu ato, o rei tornou-se o Primeiro Kalki - o Primeiro Possessor da Casta. Ele compôs então O Tantra de Kalachakra Abreviado, que é a versão presentemente existente do Tantra de Kalachakra.
Os Invasores Não-Índicos
Como a fundação do islamismo data de 622 d.C., dois anos antes da data predita em Kalachakra, a maioria dos eruditos identifica a religião não-índica com essa fé. As descrições dessa religião em outras partes dos textos de Kalachakra, como o abate de gado ao recitar o nome do seu deus, a circuncisão, mulheres veladas e preces [feitas com a orientação do crente] em direção à sua terra santa, cinco vezes por dia, reforçam a sua conclusão.
Aqui, o termo sânscrito para não-índico é mleccha (Tib. lalo), significando alguém que fala numa língua não-sânscrita incompreensível. Tanto os hindus como os budistas aplicaram esse termo a todos os estrangeiros que invadiram o norte da India, começando com os macedónios e os gregos na época de Alexandre, o Grande. O outro termo sânscrito principal usado é tayi, que deriva do termo persa para os árabes, usado, por exemplo, em referência aos árabes que invadiram o Irã em meados do século VII d.C..
A análise adicional da imagem que Kalachakra pinta dos invasores não-índicos indica que as descrições foram muito provavelmente baseadas nos ismaelitas de Multan, no final do século X d.C., combinado com alguns aspectos dos muçulmanos maniqueístas do fim do século VIII. Os ismaelitas de Multan, enquanto vassalos dos ismaelitas Fatimidas no Egito, estavam a desafiar os sunitas Abássidas em Bagdá e os seus aliados sunitas Ghaznavid, no Afeganistão Oriental, para supremacia no mundo islâmico.
A Profecia de uma Guerra Apocalíptica
O Primeiro Kalki predisse também que os seguidores da religião não-índica virão algum dia governar a India. Da sua capital em Deli, o seu rei irá tentar conquistar Shambhala em 2424 d.C.. O vigésimo quinto Kalki, Raudrachakrin, irá então invadir a India e derrotar os não-índicos numa grande guerra. A sua vitória irá marcar o fim do kaliyuga - “a idade das disputas”, durante a qual a prática do Dharma irá degenerar. Depois, uma nova era dourada seguirá, durante a qual os ensinamentos irão florescer, especialmente os de Kalachakra.
O Significado Simbólico da Guerra
Em O Tantra de Kalachakra Abreviado, Manjushri Yashas explica que a luta com o povo não-índico de Meca não é uma guerra real, visto que a batalha real é dentro do corpo. Kaydrubjey, o comentador Gelug do século XV d.C., pormenoriza que as palavras de Manjushri Yashas não sugerem uma campanha real para matar os seguidores da religião não-índica. A intenção do Primeiro Kalki ao descrever os detalhes da guerra era dar uma metáfora para a batalha interna da profunda bem-aventurada consciência da vacuidade contra o não-apercebimento e o comportamento destrutivo.
Manjushri Yashas enumera claramente o simbolismo oculto. Raudrachakrin representa a “mente-vajra”, ou seja, a mente mais sutil de luz clara. Shambhala representa o estado de grande bem-aventurança no qual a mente-vajra habita. Ser-se um Kalki significa que a mente-vajra tem o nível perfeito de apercebimento profundo, nomeadamente, o surgimento simultâneo da vacuidade e da bem-aventurança. Os dois generais de Raudrachakrin, Rudra e Hanuman, representam os dois tipos de suporte do apercebimento profundo, o dos pratyekabuddhas e dos shravakas. Os doze deuses hindus que ajudam a ganhar a guerra representam a cessação dos doze elos do surgimento dependente e dos doze movimentos diários das respirações cármicas. As ligações e os movimentos descrevem o mecanismo que perpetua o samsara. As quatro divisões do exército de Raudrachakrin representam os níveis mais puros das quatro atitudes imensuráveis do amor, da compaixão, da alegria e da equalidade. As forças não-índicas, que Raudrachakrin e as divisões do seu exército derrotam, representam as mentes de forças cármicas negativas, apoiadas pelo ódio, pela malícia, pelo ressentimento e pelo preconceito. A vitória sobre elas é a realização do caminho para a liberação e a iluminação.
O Método Didático Budista
Apesar das negações textuais da chamada para uma efetiva guerra santa, a implicação aqui que o islã é uma religião cruel, caracterizada pelo ódio, pela malícia e pelo comportamento destrutivo, pode facilmente ser usada como evidência para suportar que o budismo é anti-muçulmano. Embora alguns budistas do passado possam de fato ter tido este preconceito e alguns budistas de hoje possam, do mesmo modo, manter perspectivas sectárias, podemos extrair uma conclusão diferente se também refletirmos num dos métodos didáticos do budismo Mahayana.
Por exemplo, os textos Mahayana apresentam certas perspectivas como sendo características do budismo Hinayana, tal como egoisticamente trabalhar apenas para a nossa liberação sem consideração na ajudar a outros. Afinal, o objetivo explícito dos praticantes Hinayana é a auto-liberação e não a iluminação, que tem por objetico beneficiar todos. Embora tal descrição Hinayana tenha conduzido a preconceitos, um estudo objetivo erudito das escolas Hinayana, tais como Theravada, revela um papel proeminente da meditação no amor e na compaixão. Poderíamos concluir que Mahayana era simplesmente ignorante dos verdadeiros ensinamentos Hinayana. Alternativamente, poderíamos reconhecer que Mahayana está aqui a usar o método da lógica budista de levar argumentos às suas conclusões absurdas a fim de ajudar as pessoas a evitarem posições extremistas. A intenção deste método prasangika é aconselhar os praticantes a evitarem o extremo do egoísmo.
A mesma análise aplica-se às apresentações Mahayana das seis escolas medievais de filosofia jain e hindu. Aplica-se também a como cada uma das tradições de budismo tibetano apresenta as perspectivas das outras e as de Bon, a tradição tibetana nativa.Nenhuma destas apresentações dá uma imagem exata. Cada uma exagera e distorce certas características das outras para ilustrar vários pontos.
Correlação entre a Profecia e a História
O mesmo é verdade relativamente às afirmações de Kalachakra sobre a crueldade do islamismo e sua possível ameaça. No final do século X e no início do século XI d.C., quando os ensinamentos de Kalachakra apareceram primeiro na India, os exércitos islâmicos invadiram de fato vários reinos budistas. Muitos budistas e hindus converteram-se então voluntariamente ao islamismo para evitarem pagar o imposto requerido se mantivessem as suas religiões. Havia uma base para o exagero. Embora professores budistas possam afirmar que o uso do islamismo e deste método prasangika para ilustrar o perigo spiritual é um meio hábil, poderíamos também argumentar que é brutalmente carente de diplomacia, especialmente nos tempos modernos.
Kaydrubjey explicou adicionalmente que a predita guerra entre Shambhala e as forças não-índicas não é uma mera metáfora sem referência a uma futura realidade histórica. Se esse fosse o caso, então quando o Tantra de Kalachakra aplica analogias internas para os planetas e as constelações, chegaríamos à conclusão absurda de que os corpos celestiais existem somente como metáforas e que não têm nenhuma referência externa. Todavia, Kaydrubjey também acautela contra a interpretação literal da profecia adicional de Kalachakra segundo a qual a religião não-índica irá no futuro espalhar-se por todos os doze continentes e os ensinamentos de Raudrachakrin também a irão lá superar. A profecia não diz especificamente respeito ao já descrito povo não-índico, às suas crenças ou práticas religiosas. Aqui, o nome mleccha refere-se meramente às forças e crenças não-dhármicas que contradizem os ensinamentos do Buda.
Assim, a profecia prediz que as forças destrutivas hostís à prática espiritual - e não especificamente um exército muçulmano – irão atacar no futuro, e uma “guerra santa” externa contra elas será necessária. A mensagem implícita é que, se os métodos pacíficos falharem e tivermos de combater numa guerra santa, a batalha deve basear-se sempre nos princípios budistas de compaixão e do profundo apercebimento da realidade. Isto é verdadeiro apesar de que na prática é extremamente difícil seguir-se esta recomendação treinando-se soldados que não são bodhisattvas. Contudo, se a guerra for motivada pelos princípios não-índicos do ódio, da malícia, do ressentimento e do preconceito, as gerações futuras não verão nenhuma diferença entre as atitudes dos seus antepassados e as das forças não-índicas. Por conseguinte, adotarão facilmente atitudes não-índicas.
O Conceito Islâmico da Jihad
O conceito islâmico da jihad é uma das atitudes do invasor? Se assim for, Kalachakra está pintando uma imagem exata da jihad, ou usando a invasão não-índica de Shambhala apenas para representar um extremo a evitar? A investigação destas questões é importante para prevenir mal entendidos inter-fé.
A palavra árabe jihad significa uma luta na qual precisamos tolerar sofrimentos e dificuldades, tais como a fome e a sede durante o Ramadã, o mês santo do jejum. Aqueles que se engajam nesta luta são mujahedin. Faz-nos lembrar os ensinamentos budistas aos bodhisattvas, sobre a paciência, para tolerarem as dificuldades que surgem durante o caminho à iluminação.
A divisão sunita do islão indica cinco tipos de jihad:
Uma jihad militar é uma campanha defensiva contra agressores que tentam prejudicar o islão. Não é um ataque ofensivo para converter outros pela força ao islão.
Uma jihad por recursos envolve o apoio financeiro e material aos pobres e aos que precisam de ajuda.
Uma jihad pelo trabalho é o sustento honesto a nós próprios e à nossa família.
Uma jihad pelo estudo é a obtenção do conhecimento.
Uma jihad contra nós próprios é a batalha interna para superar os desejos e os pensamentos contrários aos ensinamentos muçulmanos.
As divisões xiitas do islão enfatizam o primeiro tipo de jihad, pondo em termos de igualdade um ataque a um estado islâmico com um ataque à fé islâmica. Muitos xiitas também aceitam o quinto tipo, a jihad espiritual interna.
As Similaridades entre o Budismo e o Islamismo
A apresentação Kalachakra da guerra mítica de Shambhala e a discussão islâmica da jihad mostram notáveis similaridades. As guerras santas budistas e islâmicas são táticas defensivas para travar ataques por forças hostis externas; nunca campanhas ofensivas para ganhar convertidos. Ambas têm níveis de significados espirituais internos, em que a batalha é contra os pensamentos negativos e as emoções destrutivas. Ambas necessitam de ser empreendidas com base em princípios éticos, e não com base em ódios e preconceitos. Assim, ao apresentar a invasão não-índica de Shambhala como totalmente negativa, a literatura de Kalachakra está de fato deturpando o conceito da jihad à moda prasangika, levando-o ao seu extremo lógico para salientar uma posição a evitar.
Além disso, assim como muitos líderes distorceram e exploraram o conceito de jihad para seu proveito e poder, o mesmo ocorreu com Shambhala e a sua discussão da guerra contra forças estrangeiras destrutivas. Agvan Dorjiev, o mongol russo de Buriate dos finais do século XIX d.C. e tutor assistente do XIII Dalai Lama, proclamou que a Rússia era Shambhala e que o czar era um Kalki. Desta forma, tentou convencer o XIII Dalai Lama a alinhar com a Rússia contra a “mleccha” britânica, na batalha para o controlo da Ásia central.
Tradicionalmente, os mongóis identificaram o rei Suchandra de Shambhala e Gengis Khan como encarnações de Vajrapani. Lutar por Shambhala era então lutar pela glória de Gengis Khan e pela Mongólia. Assim, Sukhe Batur - líder da Revolução Comunista Mongol de 1921, contra o regime extremamente brutal do barão russo branco von Ungern-Sternberg, apoiado pelos japoneses - inspirou as suas tropas com a narrativa Kalachakra da guerra para terminar o kaliyuga. Prometeu-lhes renascimento como guerreiros do rei de Shambhala, apesar de não haver nenhum fundamento textual para a sua asserção na literatura de Kalachakra. Durante a ocupação japonesa da Mongólia, na década de 1930, as autoridades japonesas, por sua vez, tentaram obter uma aliança com os mongóis e apoio militar através de uma campanha de propaganda afirmando que o Japão era Shambhala.
[Ver: Exploração do Mito de Shambhala para o Controlo da Mongólia.]
Conclusão
Assim como os críticos do budismo poderiam concentrar-se nos abusos do nível externo da batalha espiritual de Kalachakra e rejeitar o nível interno, e isto seria injusto ao budismo como um todo, o mesmo é verdade relativamente aos críticos anti-muçulmanos da jihad. Aqui, o conselho dos tantras budistas a respeito do professor espiritual pode ser útil. Quase todos os professores espirituais têm uma mistura de boas qualidades e defeitos. Embora um discípulo não deva negar as qualidades negativas do professor, insistir nelas apenas irá causar raiva e depressão. Se, em vez disso, o discípulo focalizar nas qualidades positivas do professor, irá ganhar inspiração para seguir o caminho espiritual.
O mesmo pode ser dito sobre os ensinamentos budistas e islâmicos a respeito das guerras santas. Ambas as religiões assistiram a abusos das suas chamadas para uma batalha externa, quando forças destrutivas ameaçavam a prática religiosa. Sem negar nem insistir nesses abusos, podemos obter inspiração focalizando nos benefícios do empreendimento de uma guerra santa interna em qualquer dos credos.
Fonte
http://www.berzinarchives.com/web/pt/archives/advanced/kalachakra/relation_islam_hinduism/holy_wars_buddhism_islam/holy_war_buddhism_islam_shambhala_short.html
domingo, 10 de janeiro de 2010
Cultura de Paz e Responsabilidade Universal
sobre a Cultura de Paz e Responsabilidade Universal, sem a qual a espiritualidade não tem sentido. Foram gravados numa série de palestras CEBB-Rio, no Instituto Oluá, em maio de 2005, com duração total de 6 horas e 19 minutos. Sua Santidade o Dalai Lama, em seu esforço para estabelecer uma conexão entre o pensamento budista e o ocidente, desenvolveu a expressão "Responsabilidade Universal" e tem divulgado esta mensagem por todos os cantos da terra. Quando entendemos esta noção de responsabilidade universal é como se gerássemos um tipo de sonho positivo que nos conduz no caminho e nos possibilita construir o mundo de uma forma positiva. Neste sonho nós somos felizes, nos relacionamos bem com os outros, a natureza está preservada, nós temos saúde, temos educação, podemos crescer de uma forma positiva.
Nesta palestra, proferida no auditório da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Alan Wallace apresenta uma visão de felicidade e saúde mental, calcada na filosofia budista e conceitos da antiga Grécia, que oferece um caminho para a renovação dos conceitos da ciência e cultura ocidentais modernas. Longe de aceitar que a ausência de doenças mentais incapacitantes seja o máximo de bem estar a que se pode aspirar, Alan Wallace aponta o caminho, hoje esquecido, de buscar um estado de verdadeira felicidade e conferir um sentido a nossas vidas, objetivo que não pode ser alcançado através da acumulação incessante de bens materiais.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
O Sutra do Coração
Sem o vazio, não há forma. Sem forma, não há o vazio. É como a lua e o brilho da lua — do princípio ao fim, ambos são indissociáveis.
O Sutra do Coração é um principais textos do Buddhismo Mahayana. Ele é um dos Discursos sobre a Perfeição da Sabedoria (sânsc. Prajnaparamita Sutra), entre os quais estão também o Sutra do Diamante e o Sutra de Oito Mil Linhas.
As coleções completas de Discursos sobre a Perfeição da Sabedoria foram destruídas com o grande monastério indiano de Nalanda, no século XII. Mesmo assim, diz-se que o Sutra do Coração contém a essência desses ensinamentos, o coração (sânsc. hridaya) de Prajnaparamita — a Perfeição da Sabedoria, a mãe de todos os buddhas.
fonte:
http://www.dharmanet.com.br/prajna/index.html
Introdução — o Caminho do Meio
Introdução ao Sutra do Coração — Geshe Thubten Jinpa
Bhagavati Prajnaparamita Hridaya Sutram — sânscrito
Bhagavati Prajnaparamita Hridaya Sutram — sânscrito (siddham)
Bhagavati Prajnaparamita Hridaya Sutram — sânscrito
Bhagavati Prajnaparamita Hridaya Sutram — sânscrito (siddham)
Bhagavati Prajnaparamita Hridaya Sutram — sânscrito (versão longa)
Pan-jo Po-lüo-mi-to Hsin-ching — chinês
Ma-ha Ban-nya Ba-ra-mil-ta Shim-gyong — coreano
Maka Hannya Haramitta Shingyô — japonês
Chomdendema Sherabkyi P'haröltuchinpe Nyingpo — tibetano
Mahayana Vimshaka — Vinte Estrofes Mahayana
Suhrllekha — Carta a Um Amigo
Dharmadhatu Stava — Em Louvor ao Dharmadhatu
Estado Superior e Bondade Suprema — Nagarjuna
Homenagem à Perfeição da Sabedoria — Nagarjuna
Um Louvor aos Doze Feitos Exemplares do Senhor Buddha — Nagarjuna
Prece de Sete Ramos — Nagarjuna
Sobre o Sutra do Coração — Han-shan Te-ch'ing
A Verdade Relativa e a Verdade Absoluta — Thich Nhat Hanh
Louvor ao Sutra do Coração — Hidemi Ogasawara
Sobre o Sutra do Coração — Sojun Weitsman Roshi
Prece de Aspiração do Caminho do Meio — Khenchen Shenga
Elucidação Completa do Significado das Palavras — Jamyang Gawe Lödrö
Prajnaparamita, a Perfeição da Sabedoria — Jérôme Edou
Madhyamika — Tülku Thöndub Rinpoche
As Duas Verdades — Nyoshül Khen Rinpoche
Eternalismo, Niilismo e Atomismo — Chögyam Trungpa Rinpoche
A Verdade da Cessação — Thrangu Rinpoche
Os Cinco Caminhos — S.S. o Dalai Lama
A Interdependência — S.S. o Dalai Lama
O Caminho do Meio — S.S. o Dalai Lama
A Natureza da Sabedoria — S.S. o Dalai Lama
Mente Apenas — S.S. o Dalai Lama
Nagarjuna — O Fundador do Madhyamika
O Caminho para a Iluminação — Shantideva
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Motivação correta e Prajna Paramitta
As Seis Perfeições (Paramitas)
As seis paramitas são ensinamentos do Budismo Mahayana. Paramita é uma palavra que pode ser traduzida como "perfeição" ou "realização perfeita". O ideograma chinês para este termo significa "atravessar para a outra margem", que é a margem da coragem, da paz e da libertação. As perfeições devem ser praticadas em nossa vida diária. Estamos atualmente na margem do sofrimento, da raiva e da depressão, e queremos atravessar para a margem do bem-estar. Para atravessar, é preciso fazer alguma coisa, e é a isso que chamamos de perfeição. Assim, voltamos para nós mesmos, praticamos a respiração consciente e olhando nosso sofrimento, nossa raiva, nossa depressão, e sorrimos. Ao fazer isso, superamos a dor e atravessamos. Devemos praticar as "perfeições" todos os dias. (...)
(1) Dana paramita - Doação, generosidade, oferta.
(2) Shila paramita - Os preceitos ou treinamentos da atenção plena.
(3) Kshanti paramita - Tolerância, a capacidade de acolher, suportar e transformar a dor infligida a você por seus inimigos e também pelas pessoas que o amam.
(4) Virya paramita - O esforço, energia, perseverança.
(5) Dhyana paramita - A meditação.
(6) Prajna paramita - A sabedoria, compreensão, insight.
Praticar as seis perfeições ajuda a atingir a outra margem - a margem da liberdade, da harmonia e dos bons relacionamentos.
A quarta pétala da flor é a virya paramita, a perfeição do esforço, a energia ou a prática contínua. O Buda disse que no fundo da nossa consciência armazenadora, alaya vijnana, existem diversos tipos de sementes, positivas e negativas - sementes de raiva, ilusão e medo, assim como sementes de compreensão, compaixão e perdão. Muitas dessas sementes nos foram transmitidas por nossos ancestrais. Deveríamos aprender a reconhecer cada uma delas dentro de nós, para poder praticar o esforço. No caso de uma semente negativa, como raiva, medo, ciúmes ou discriminação, deveríamos evitar que fosse irrigada na vida cotidiana, porque cada vez que tal semente é regada ela aparece na camada superior de nossa consciência, o que significa sofrimento, para nós e para aqueles que nos cercam. A prática é impedir que a semente negativa seja regada.
Também reconhecemos as sementes negativas nas pessoas amadas, e tentamos não regá-las. Se o fizermos, os seres que amamos serão infelizes, e conseqüentemente nós também. Essa é a prática da "irrigação seletiva". Se você quer ser feliz, evite regar suas próprias sementes negativas e também as dos outros, e peça aos que o cercam que evitem regar as sementes que existem em você.
Tentamos reconhecer nossas sementes positivas, e viver nossa vida diária de tal forma que possamos ter contato com elas e ajudá-las a se manifestar na camada superior da nossa consciência, a mano vijnana. Cada vez que essas sementes se manifestam e permanecem lá por algum tempo, ficam mais fortes. Se as sementes positivas ficarem mais fortes, seremos mais felizes e tornaremos felizes aqueles que nos cercam. Reconheça as sementes positivas na pessoa que você ama, regue essas sementes, e essa pessoa ficará cada vez mais feliz. Em Plum Village, nós praticamos "regar as flores", reconhecendo as melhores sementes dos outros e regando-as. Quando tiver tempo, por favor regue tudo o que há para ser regado. É uma grande prática de esforço, e traz resultados imediatos.
Imagine um círculo dividido em dois. Embaixo está a consciência armazenadora e em cima a consciência mental. Todas as formações mentais estão no fundo da consciência armazenadora. Todas as sementes podem se manifestar no nível superior, ou seja, na consciência mental. A prática consiste em fazer o melhor que pudermos para não deixar que as nossas sementes negativas sejam atingidas no dia-a-dia, para que não tenham oportunidade de se manifestar. As sementes da raiva, discriminação, desespero, ciúmes e desejo estão todas presentes. Fazemos o que podemos para impedi-las de subir. Dizemos às pessoas com quem vivemos: "Se você realmente me ama, não regue essas sementes em mim. Não é bom para a minha saúde nem para a sua." Temos que saber quais os tipos de sementes que não devem ser alimentados. Caso uma semente negativa, uma semente de dor, for regada e se manifestar, usaremos todo o nosso poder para abraçá-la com nossa atenção plena e ajudá-la a voltar para o lugar de onde veio. Quanto mais tempo tais sementes ficarem na consciência mental, mais fortes se tornarão.
O Buda sugeriu uma prática chamada "trocar a cavilha". Quando uma cavilha de madeira não é do tamanho certo, ou está podre, ou está quebrada, o carpinteiro a substitui por outra, colocando a nova cavilha exatamente no lugar da velha e martelando em cima. Se em você surgir uma formação mental considerada não-saudável, pratique convidando uma formação mental saudável para substituí-la. Existem diversas sementes lindas e saudáveis em nossa consciência armazenadora. Apenas inspire e expire, convidando uma delas a subir e a não sadia descerá. Isto se chama de "trocar a cavilha".
Outra prática consiste em tocar tantas sementes positivas na consciência armazenadora quantas possível, para que se manifestem na consciência mental. Em um aparelho de televisão, quando queremos assistir a um determinado programa, apertamos o botão correspondente. Portanto, só chame sementes agradáveis para a sala de sua consciência. Nunca convide uma visita que vai lhe trazer tristeza e aflições. E diga aos seus amigos: "Se vocês gostam de mim, por favor, alimentem as boas sementes que existem em mim." Uma semente fantástica é a atenção plena. A atenção plena é o Buda em nós. Use todas as oportunidades que tiver para regá-la e para fazer com que se manifeste no nível superior da consciência.
A quarta prática é manter uma semente saudável o mais tempo possível depois que ela se manifestou. Se a atenção plena for mantida por quinze minutos, a semente da atenção plena será fortalecida, e da próxima vez que você precisar da energia da atenção plena será mais fácil trazê-la à superfície. É muito importante ajudar as sementes da atenção plena, do perdão e da compaixão a crescerem, e a melhor forma de fazer isso é mantê-las na consciência mental o máximo de tempo possível. Isso se chama transformação na base - ashraya paravritti. Este é o verdadeiro sentido da virya paramita, a perfeição do esforço.
A quinta prática é a dhyana paramita, a perfeição da meditação. Dhyana é chamada de zen em japonês, chan em chinês, thien em vietnamita e son em coreano. A dhyana, ou meditação, tem dois atributos. O primeiro é o de parar (shamatha). Nós passamos nossa vida correndo atrás de uma idéia ou outra de felicidade. Parar significa parar de correr, parar de esquecer, parar de estar sempre preso no passado ou no futuro. Voltamos para casa, para o momento presente, onde a vida realmente se desenrola. Esse momento contém todos os outros momentos. Aqui podemos entrar em contato com nossos ancestrais, nossos filhos e netos, mesmo que eles ainda não tenham nascido. Shamatha é a prática de acalmar nosso corpo e nossas emoções através da prática de respirar consciente, caminhar consciente e meditar consciente. A shamatha é também a prática da concentração, para que possamos viver cada momento intensamente e entrar em contato com o nível mais profundo de nosso ser.
O segundo aspecto da meditação é olhar em profundidade (vipashyana), para ver a verdadeira natureza das coisas. Você olha com profundidade a pessoa que ama e descobre que tipos de sofrimento ou de dificuldades ela traz dentro de si, e também suas aspirações e anseios. A compreensão é uma grande dádiva, mas uma vida diária conduzida com atenção plena também é uma dádiva. Fazer tudo conscientemente é a prática da meditação, porque a atenção plena sempre alimenta a concentração e a compreensão.
A sexta pétala da flor é a prajna paramita, a perfeição da sabedoria. Este é o tipo mais elevado de compreensão, que se situa além de todo o conhecimento, conceitos, idéias e pontos de vista. Prajna é a natureza de Buda que existe em nós. É o tipo de compreensão que tem o poder de nos levar à outra margem, a margem da liberdade, da emancipação e da paz. No Budismo Mahayana a prajna paramita é descrita como a Mãe de Todos os Budas. Tudo o que é bom, lindo e verdadeiro nasce de nossa mãe, a prajna paramita. Ela está em nós, só precisamos atingi-Ia para que ela se manifeste. A Compreensão Correta é a prajna paramita.
Existe muita literatura sobre essa perfeição, e o Sutra do Coração é um dos discursos mais curtos sobre o assunto. O Sutra do Diamante e o Ashtasahasrika Prajnaparamita (Discurso dos 8.000 versos) são os mais antigos de todos. A prajna paramita é a sabedoria da não-discriminação.
Se você observar bem a pessoa amada, conseguirá entender seu sofrimento, suas dificuldades, e também suas aspirações mais profundas. E esta compreensão tornará possível o verdadeiro amor. Quando alguém nos entende, sentimo-nos felizes. Se pudermos oferecer compreensão a alguém, este é o verdadeiro amor. A pessoa que recebe nossa compreensão desabrocha como uma flor, e ao mesmo tempo nós também somos recompensados. A compreensão é o fruto da prática. Olhar em profundidade significa estar lá, estar atento, estar concentrado. Ao olharmos em profundidade para um objeto, fazemos com que a compreensão floresça. O ensinamento de Buda nos ajuda a entender a realidade de forma mais completa.
Olhem uma onda na superfície do oceano. Uma onda é uma onda. Ela tem um começo e um fim. Pode ser alta ou baixa, mais bonita ou menos bonita que as outras ondas. Mas, ao mesmo tempo, uma onda nada mais é do que água. A água é o fundamento do ser da onda. É importante que a onda saiba que ela é água, e não apenas uma onda.
Nós também vivemos nossa vida como indivíduos. Acreditamos que temos um começo e um fim, e que estamos separados dos outros seres vivos. É por isso que Buda nos aconselhou a olhar mais profundamente até atingir o fundamento de nosso ser, o Nirvana. Todas as coisas trazem em si a natureza do Nirvana. Tudo já foi "nirvanizado". Esta é a razão do ensinamento do Sutra do Lótus. Quando contemplamos profundamente, tocamos a natureza da realidade. Ao contemplar uma pedra, uma flor, ou nossa própria alegria, paz, tristeza ou medo, entramos em contato com a dimensão maior do existir, que nos revelará que temos a natureza do não-nascimento e da não-morte.
Nós não precisamos atingir o Nirvana, porque sempre estivemos lá. A onda não tem que procurar água. Ela já é água. Nós somos o alicerce de nosso ser. Quando a onda entende que ela é água, todo o seu medo desaparece. Depois que tocamos o chão do existir, depois que tocamos Deus ou o Nirvana, recebemos a dádiva da ausência de medo, que é a base da verdadeira felicidade. O maior presente que podemos oferecer a outros é nossa falta de medo. Ao viver com intensidade todos os momentos de nossa vida, tocando o nível mais profundo de nosso ser, estamos praticando a prajna paramita. A prajna paramita é atravessar para o outro lado com a compreensão, com o insight.(...)
Olhe para a sua situação e veja como você é rico internamente. Reconheça que tudo o que você tem no momento é um presente. Sem esperar nem mais um minuto, comece a praticar. Quando começar a praticar, vai se sentir imediatamente mais feliz. O Darma não é uma questão de tempo. Verifique isso por si mesmo: o Darma pode transformar sua vida.
Quando você está preso à tristeza, ao sofrimento, à depressão, à raiva ou ao medo, não fique na margem do rio em que existe o sofrimento. Passe para a outra margem, onde há liberdade e não existem medo nem raiva. Pratique a respiração consciente, a caminhada consciente, a contemplação profunda, e acabará passando para a margem da liberdade e do bem-estar. Não é necessário praticar por cinco, dez ou vinte anos para conseguir atravessar para a outra margem. Você pode fazer agora.
(Do livro “A essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh)
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